Livro das Horas
domingo, 13 de março de 2011
#15
e inspiram o tão sublime, suaves,
ânimo das jangadas à guisa dos mares,
que mansos fitam seu irmão celestial:
- Quão azuis resplandecem dos céus os ares...
Mui azul mais é meu âmago abissal!
se não te olvidam as nuvens, anilas mal
e dormes infeliz. - Divagam os mares.
Calmas vagas recendem à noturna paz.
Nos celestes campos floresces formosa...
Mas que nos mares mais formosa brilhais!
Se habitas os céus só imperiosa
contemplada por estrelas numerosas,
saiba terem os mares mil jangadas mais!
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
#14
pálida, inerte, rija: eis o dia!
Faca estúpida corta sem ternura
todo gentil abstrato da luz sombria.
Azul labora densa amargura
de vida que não há, só se anuncia
para dia já findo, mas que perdura
na alma de um corpo só agonia.
Que chegue a noite e seu ar macio
que ainda dia será nesta hora
tão silente em que uiva o fastio.
Cerram-se as vistas e se vai embora
pelo próprio oceano bravio
então noite e vida serão agora...
domingo, 17 de outubro de 2010
#12
putrefato néctar de flor murcha
chorando grito de monstro-circo
armado sem estrela-picadeiro
só leão fera macaco tigre.
Sob tenda verde e estreita
criatura de vida latente
(rubro mel do fim à espreita!)
dum sepulcro e doutro já carente.
Nasceu.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
#11
na mais vil hora do dia
novamente, ai, minh’ainda
cálida alva Sofia
Às vestes de era finda
viva de sepulcro vinda
cálida alva Sofia
diga que és minh’ainda
À deriva da agonia
cálida alva Sofia
minh’alma está ainda
presa da tua utopia
À cálida alva Sofia
todo eu coisa ignota
suplico minh’alforria:
quebra destrói esta roda!
domingo, 10 de outubro de 2010
#10
Nestas ruas ancestrais
de pedras mudas, quietas
de antigos silêncios sepulcrais,
duras maciças repletas
de contidas vozes abissais
repousam porém ambulantes,
minhas pernas.
Igualmente duras quietas
feito pedras e – não te espantes!
ainda que membros inferiores,
sentimentais.
Contudo pernas e dores
sobre pedras (as duas)
dispostas em lama nuas
após furtadas sem pudores
à pedreiras longínquas feito luas
para os que sobre pedras, com horrores,
rumam.
E minhas pernas de um lado cada
como duas cordas contraídas ora esticadas
vão da pedra na lama até em cima,
ao nada.
terça-feira, 1 de junho de 2010
#8
caríssimo.
Da morte viveis
e da morte eu sobrevivo.
Crede no que digo, amigo.
Sois coveiro e eu sou poeta;
lidais com pás e eu com penas;
enterrais mortos sob terra;
enterro vivos sobre poemas.
Teço poesia; este feto da alma.
Adormeceis cadáveres; último verso.
Entrementes somos artífices
do mesmo reverso.
Agora que sabeis que somos iguais
não mais temei este holograma
abstrato que jaz levantado de seu
corpo putrefato, resultado da presteza
e eficiência de vosso trabalho,
companheiro.
Ora, coveiro, poeta do verso da poesia,
não penseis que aqui estou para lamentar-me.
Apenas quero contar-vos a estória
por trás desta glória sepulcral.
Foi numa sístole, breve e comum,
não numa extrassístole – aquelas bolinhas de sabão
que me estouravam no peito – mas numa sístole
simples, comum e breve, que meu coração calou-se,
súbito, sem motivo mas com alguma razão,
para não mais contrair-se.
Por todo meu corpo jorrou o derradeiro sopro
de vida que não tardou a transformar-se
no frio mais gélido que qualquer corpo,
deste mundo ou do outro, poderia sentir.
Assustei-me, confesso. Pois pensei
se tratar do tédio e seu regresso.
Desejei estar morto.
E morto estava.
Porém era apenas a morte se apoderando
do que sempre fora seu por dever e direito;
a vida: poesia.
Sei que não vos espantais com o que digo,
poeta contíguo, como coveiro que sois
bem sabeis que a morte é muito menos
que um minuto tedioso.
Libertei-me da inveja, do amor,
do ódio e da espera pela morte.
Já não amo a mulher que amava
e por quem me entediava:
morria.
Hoje morro de escrever poemas.
E os declamo para esta terra,
não a que vós pisais e jogastes soberano
sobre mim, mas a que me cobre
com aplausos de flor e minhocas.
Já não há vida a impedir-me o verso
nem apostasia capaz de ressuscitar-me
deste leito eterno de poesia.
Vistes que não me lamentei da sorte,
coveiro, poeta do soneto de sete palmos,
como vos disse que não faria,
apenas confessei-vos esta glória
de ser agora poeta pleno
de vida e de morte.