domingo, 30 de maio de 2010

#6

Uma batida seca, aguda,
repentina, ensurdeceu-me os ouvidos.
E outras batidas igualmente secas, agudas,
repentinas, seguiram-se a primeira e continuaram
a ensurdecer-me os ouvidos.
Contudo não fiquei surdo.
Ouvi-as todas: secas, agudas, repentinas
batidas a ensurdecerem-me os ouvidos.
Porém ouvi-as todas; secas, agudas, repentinas:
não ficara surdo.

Aquilo era tortura.

Estava eu numa câmara de tortura.
Arrancado de minha cama alva.
Transportado para uma câmara rubra de tortura.

Rubra. Inviolável. Quente mas não cálida
câmara de tortura rubra com paredes movediças,
erguidas sobre chão convulsivo, a esmagar-me
os olhos de vermelho. Paredes rubras, movediças,
erguidas sobre chão convulsivo, a esmagar-me
os olhos de vermelho. Rubras paredes, fronteiras
rubras da tortura, a esmagar-me os olhos.
Desespero em tons de vermelho, convulsivo.
E meus olhos só viam vermelho, a esmagarem-nos;
claustrofóbicos.

Inviolável câmara de tortura rubra quente
jorrando magma rubro quente mas não cálido
a queimar-me o rosto de vermelho.
A manchar-me inteiro de vermelho.
A desfigurar-me de desespero.
Magma rubro quente mas não cálido
a queimar-me o rosto de desespero,
o nariz, a boca, os pés, o cabelo,
de vermelho.
Era tortura a queimar-me de todo jeito.
Magma rubro quente mas não cálido
por sobre onde boiavam desesperos
pecados e pecadores, sujos, queimados
de vermelho.

Inviolável câmara de tortura rubra,
quente mas não cálida produzindo
tormentas a sufocar-me os pulmões.
Tormentas de angústia, remorsos,
desejos, desesperos a sufocar-me os pulmões.
Rubras tormentas, instrumentos vermelhos,
de tortura a sufocar-me os pulmões, inundando-os
de vermelho. Era tortura.

Uma voz rubra quente mas não cálida
voz de tortura perguntou-me
– quem és tu?
Respondi, sem saber o que dizer, vermelho,
que era poeta.

Fui expulso da câmara de tortura rubra
quente mas não cálida.

E ainda hoje não sei se estive no inferno
ou num coração humano.

4 comentários:

  1. Sou péssima para comentar poemas. Acho que poema toca cada pessoa de uma maneira tão pessoal, que é difícil fazer um comentário decente sobre eles - o que não significa que eu não li.
    Gostei muito do seu poema. As palavras "secas, agudas e repentinas" me remetem à sonoridade de batidas, não sei se foi proposital.. Só sei que gostei muito.

    Você escreve bem! Vou dar uma lida nos outros textos para confirmar minha teoria, haha!
    De qualquer forma, estou seguindo!
    Um beijo,
    Lu.

    http://lanternadealhures.blogspot.com

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  2. Esquecer Barcelona, Toledo e outras maravilhas espanholas foi realmente uma vergonha/vexame. Prometo fazer um post só em homenagem a essas cidades um dia! haha
    beijos!

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  3. Muito Bonito o poema, na minha opnião, não tenho muita habilidades pra escrever poemas. ;D

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  4. Uau!

    Em princípio me remeteu a serventia das idéias fixas do João Cabral de Melo Neto.

    O fim me surpreendeu!

    Gostei muito do teu blogue.

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